Sobre a
Astronomia
Tudo começou faz quase quinhentos anos. Enquanto
Colombo e Vasco da Gama tinham feito suas viagens com apenas três caravelas,
Cabral recebeu treze embarcações e 1500 homens, a maior expedição jamais
vista em terras portuguesas. Entre seus subordinados estavam os melhores
navegadores, pilotos e exploradores de seu tempo. Inclusive um fidalgo de
origem espanhola chamado João Emeneslau ou simplesmente Mestre João, “físico
e cirurgião”, principal investigador da expedição.
Partiram dia
9 de Março, pelo calendário usado na época, antes da reforma Gregoriana de
1582. Após cruzarem as ilhas Canárias, uma embarcação se perde e dela nunca
mais se ouviu falar.
Em 23 de
Abril, o dia seguinte ao avistamento das novas terras, a expedição
desembarcou e no local hoje conhecido como Baía de Cabrália o Mestre João
realizou os primeiros trabalhos para determinação da latitude.
Foi ali que ele vislumbrou um
conhecido asterismo da constelação do Centauro, cuja extraordinária beleza se
destacou em forma de cruz.
Sua
carta ao Rei de Portugal é o mais antigo documento a mencionar a designação
Crux, pelo qual mais tarde seria conhecida a constelação do Cruzeiro
do Sul, uma das mais belas e significativas constelações do firmamento.
As
sucessivas viagens de exploração à costa trouxeram muitos dados importantes,
principalmente com relação à determinação de latitudes. O primeiro estudo
sistemático de Astronomia no Brasil foi iniciado por
Jorge Marcgrave, da comitiva de Maurício de Nassau, durante o domínio
holandês.
Um observatório foi instalado numa das torres do Palácio de Friburgo, na Ilha
de Antônio Vaz, Recife. Marcgrave observou ocultações, conjunções e uma série
de eclipses, como o da Lua de Abril de 1642, visto do Forte dos Reis Magos,
na foz do rio Potengi, em Natal (ilustração abaixo).
Astrônomos Ilustres
DESDE O FINAL DO SÉCULO XVII e durante o século XVIII vários astrônomos
ilustres visitaram o Brasil. Edmund Halley, o descobridor do famoso cometa
que leva seu nome, esteve em diversas cidades do litoral. Foi ele quem
determinou a declinação magnética do Rio de Janeiro, em 1699.
Para a correta demarcação do Tratado de Madrid, de 1750, em substituição ao
Tratado de Tordesilhas (1494), muitos geógrafos e astrônomos foram enviados
pelas cortes espanhola e portuguesa ao continente sul-americano. Mais tarde,
em 1777, foi assinado o Tratado de Santo Ildefonso, dando origem a novas
expedições científicas para a região Sul do Brasil. O mesmo aconteceu a
partir de 1781, com a demarcação da região Norte.
D.
PEDRO II DIZIA QUE SE NÃO FOSSE O IMPERADOR DO BRASIL seria um professor. E
que professor ele seria! D. Pedro de Alcântara era um intelectual de verdade
e grande entusiasta das ciências.
Mantinha contato estreito com muitos nomes ilustres da época, como Camille
Flamarion e Victor Hugo, com os quais dividia a paixão pela Astronomia.
Fundou bibliotecas, museus, observatórios astronômicos e meteorológicos em
várias partes do país, algumas vezes mantendo-os com recursos pessoais. Ainda
jovem, com apenas 22 anos, era um Imperador dedicado, simples e tranqüilo.
O Imperial Observatório do Brasil havia sido criado por decreto em
1827, no Rio de Janeiro, mas só começara a funcionar quase vinte anos depois.
D. Pedro II deu forma e alma a instituição, cedendo os próprios instrumentos
que utilizava em seu observatório particular na Quinta da Boa Vista, para que
o Imperial Observatório pudesse iniciar suas atividades.
Infelizmente, o gosto pessoal do Imperador pelas ciências não contagiou seus
frios auxiliares de governo. Naquela época, países como o Chile e a Argentina
já possuíam observatórios superiores, dirigidos por profissionais eminentes.
D. Pedro II sempre se queixou disso. Sonhava com um observatório astronômico
moldado nos mais modernos estabelecimentos existentes na época.
Pensava
no famoso observatório de Nice, onde foi descoberto o asteróide 293, chamado
Brasília, em homenagem ao Imperador, quando do seu exílio, em Paris.
Assim mesmo o Imperial Observatório trouxe-lhe muitas alegrias. Um dos
trabalhos mais importantes lá realizados foram as observações do trânsito de
Vênus, um raro evento que ocorre quando esse planeta passa na frente do disco
solar.
Em Janeiro de 1887 o próprio Imperador faria estimativas do comprimento da
cauda de um cometa, como ficou registrado na revista francesa "L'Astronomie",
publicada até hoje. D Pedro II estava sempre em contato com os astrônomos do
Imperial Observatório e discorria com rara competência sobre diversas
questões científicas.
O Mal da República
A REPÚBLICA PRATICAMENTE DESTRUIU o Imperial Observatório. Aliás fez bem mais
que isso: retardou o desenvolvimento do espírito científico no país, tão
valorizado nos tempos do Segundo Reinado.
E a
cada novo presidente que se sucedia no poder correspondia um degrau abaixo no
conceito internacional da Astronomia brasileira. Alguns órgãos da imprensa
ajudavam, confundindo a manipulável opinião pública, na medida em que fazia
humor dos edifícios erguidos em São Cristóvão, no Rio, e no Parque do Estado,
em São Paulo, onde então quase nada se fazia.
Foi preciso esperar um longo tempo. O primeiro presidente republicano a
iniciar os trabalhos de reconstrução dos observatórios brasileiros foi Emílio
Garrastazu Médici. Começou aí, ainda que timidamente, a recuperação do tempo
perdido.
O Observatório Nacional, em São Cristóvão, o Observatório de Valongo, na
Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Observatório do Instituto
Tecnológico da Aeronáutica, em São José dos Campos e o Observatório Abraão de
Morais em Valinhos, São Paulo, entre outros, começaram a organizar
importantes programas de cooperação internacional.
QUAL É
INSTRUMENTO DE TRABALHO DE UM ASTRÔNOMO? Não permita que em sua mente venha
apenas a imagem de uma luneta ou telescópio. A Astronomia precisa, é claro,
de bons instrumentos óticos para ser praticada. Mas se você observar o
universo apenas com os olhos vai ver muito pouca coisa.
A natureza reserva o seu melhor para quem têm olhos de super-homem... e os
astrônomos têm! Porém, ainda não basta esquadrinhar uma estrela através da
sua emissão de raios X. Além de boas observações, é necessário raciocínio.
Horas, dias e semanas de trabalho dedicado e minucioso.
É desse esforço, em qualquer área do conhecimento humano, que surge o nosso
super-homem. Tem sido assim com um número cada vez maior de brasileiros,
profissionais ou não, que levam muito a sério sua paixão pelo firmamento.
Nesta última parte da série Astronomia no Brasil vamos conhecer uma pequena
amostra de seus feitos mais recentes.
Uma Não, Duas!
ETA CARINA É APENAS A SÉTIMA ESTRELA mais brilhante da constelação de Carina,
ou Quilha, perto do Cruzeiro do Sul. Temos sorte de estar bem longe dela,
pois ela
pode
brilhar tanto quanto cinco milhões de sois.
Pode porque seu brilho não é constante, como o Sol. Passados pouco mais de
dois mil dias na Terra, Eta Carina perde luz equivalente a três mil sois. O
que não seria novidade, pois existem muitas estrelas variáveis no universo.
Mas para um astrofísico brasileiro ela não estava variando só por si mesma e
sim porque tinha uma companheira. O par de astros, envolvido numa nuvem de
gás e poeira, não podia ser revelado facilmente por telescópios.
Na época não foi fácil convencer a incrédula comunidade científica. Afinal,
ciência se faz com argumentações convincentes. Mas ele provou que estava
certo. Hoje é conhecido como o descobridor de um sistema estelar duplo.
Sob
o céu que tem mais estrelas
SANTOS DUMONT É HOMENAGEADO com uma cratera na Lua. O romancista José de
Alencar também tem uma, em Mercúrio.
E uma pesquisadora brasileira que trabalhou na análise dos dados enviados
pela missão Pathfinder, que enviou um jipe-robô para Marte, obteve o
reconhecimento de seu valioso trabalho ao ter aceita a sua proposta de
batizar vulcões em Io, um satélite de Júpiter, com nomes de divindades tupis.
Em Tritão, maior das luas de Netuno, está Viana, cratera com o mesmo nome de
uma pequena cidade do Espírito Santo. Há muito mais exemplos como esses.
No
Rio de Janeiro, onde funciona o único curso de graduação em Astronomia do
país, uma revolução silenciosa, onde as mulheres estão assumindo funções
importantes em observatórios, está melhorando e fortalecendo a formação
científica da Astronomia brasileira.
Muitos dos que escolheram outras profissões também fazem parte desse time. Um
astrônomo amador de verdade não se contenta em reconhecer os objetos
celestes. Ele domina métodos científicos e realiza observações que podem ser
transmitidas para outros estudiosos. E tem muito valor.
Conhecimento Que Transforma
AINDA HÁ MUITO PARA SE FAZER pela Astronomia no Brasil. Em alguns países ela
é como uma paixão nacional. Em outros, faz parte dos currículos escolares e
ajuda sobremaneira ao entendimento de diversas outras ciências, como
matemática, física, química, geografia e ainda ecologia e história. Houve até
um tempo em que era ensinada no Brasil. Mas foi justamente um Ministro da
Educação que prestou o desserviço de retirá-la das escolas.
Hoje, há pessoas que julgam esse tipo de conhecimento como cultura inútil.
Saber que a Terra gira em torno do Sol pode não ter serventia no cotidiano da
maioria absoluta dos brasileiros. O que muitos ignoram é que as implicações
na obtenção do maravilhoso conjunto de novos conhecimentos trazidos pela
Astronomia são capazes de transformar o Homem e sua relação com o mundo.
O Dia dos 500 Anos
QUANDO AQUELA HISTÓRICA EXPEDIÇÃO portuguesa, contando 1500 homens em 13
caravelas, aportou na Baía de Cabrália, a 12 km de Porto Seguro, não podiam
imaginar que as novas terras eram na verdade parte de um continente e não
apenas uma ilha.
Mas eles tinham certeza da data da chegada: 22 de abril de 1500, uma
quarta-feira. Só que para Cabral e seus conterrâneos os anos começavam em 25
de dezembro: o calendário utilizado era o Juliano - não era como nos dias
atuais, em que usamos o Gregoriano.
A diferença? 10 dias. Dez dias que foram esquecidos pela maioria dos
historiadores na contagem de muitos eventos anteriores a 1582, ano em que o
Papa Gregório XIII reformou o então calendário Juliano, que por acumular
erros, já não mais coincidia com eventos da natureza, como o início das
estações.
E quando desejamos contar o tempo até uma data anterior ao ano da reforma do
calendário, devemos nos preocupar em adicionar os 10 dias que foram retirados
do ano de 1582 para que o calendário voltasse a se adequar aos eventos
naturais. Feito isto, o quinto centenário da chegada dos portugueses ao
Brasil completou-se somente em 2 de maio do ano 2000. |